Megalitismo em Cacela (Túmulo megalítico de Santa Rita)

As primeiras referências ao Património Megalítico da região de Cacela foram dadas a conhecer nos finais do séc. XIX pelo investigador algarvio Estácio da Veiga, ao publicar na sua obra mais emblemática “Antiguedades Monumentaes do Algarve”, as suas investigações nos túmulos megalíticos de Nora e Marcela. Apesar de classificados desde 1910 como Monumentos Nacionais, encontram-se hoje infelizmente destruídos.

Em 2001, durante trabalhos de prospecção e inventariação do património histórico e arqueológico, foi identificado um novo túmulo nas proximidades da aldeia de Santa Rita, cujas evidências superficiais, indiciavam a existência de um monumento bem conservado, similar aos escavados por Estácio da Veiga.

O túmulo pré-histórico de Santa Rita representa um dos últimos testemunhos megalíticos melhor conservados da região. Trabalhos arqueológicos recentes em 2007 e 2008 permitiram a caracterização da estrutura arquitectónica e uma primeira aproximação à cronologia, caracterização da paisagem, estudo da estrutura social e ao ritual funerário usado pelas comunidades que construíram e utilizaram este túmulo pré-histórico há cerca de 4500 anos.

O Monumento

A estrutura arquitectónica é constituída por uma câmara funerária de dimensões consideráveis (5,20X 2,20 X 1,90 mts) com planta rectangular coberta por grandes blocos de arenito local colocados transversalmente, alguns deles identificados in situ durante a escavação. Um corredor longo dá-lhe acesso através de uma entrada constituída por porta, lintel e umbrais, cujas matéria-primas (arenito vermelho e o calcário branco) foram seleccionadas para criar um sugestivo impacto visual, reforçando a monumentalidade e a originalidade do monumento.

O piso da câmara funerária é constituído por um pavimento de pequenas lousas de xisto, colocadas horizontalmente, formando um lajeado homogéneo. Junto ao esteio de cabeceira, no canto mais recôndito, é possível observar um pequeno nicho similar ao identificado por Estácio da Veiga no monumento da Marcela, cujo pavimento é formado por uma grande laje de calcário.

Apesar de restarem poucos vestígios desta estrutura, a câmara funerária seria coberta por uma colina artificial (tumulus) composta por sedimentos e pedras e delimitada por um anel periférico, que serviria de suporte, constituído por lajes de arenito fincadas no solo.

O ritual funerário

Os resultados obtidos durante a escavação arqueológica indicam que a câmara funerária foi objecto de visitas ainda em tempos pré-históricos, facto que provocou o revolvimento de alguns contextos. No entanto, o excelente grau de conservação presente em alguns sectores permitiu reconhecer com rigor o ritual funerário utilizado pelas comunidades que construíram e utilizaram este túmulo há cerca de 4500 anos (III Milénio antes da nossa era). Com efeito, foi possível identificar uma acumulação sucessiva de ossos humanos correspondentes a deposições secundárias, de mais de duas dezenas de indivíduos, sobretudo junto ao esteio de cabeceira do monumento, indicando a sua utilização como ossário. Estas deposições no interior da câmara eram acompanhadas por um complexo ritual fúnebre que incluía a colocação de oferendas junto aos ossos, constituídas maioritariamente por pequenos recipientes de cerâmica, lâminas de sílex e de outras matérias-primas siliciosas, pontas de seta, alabardas, placas de xisto gravadas, contas de colar, juntamente com a utilização de pequenos nódulos de pigmentos vermelhos.

O valor científico deste monumento foi ampliado ao identificar-se sobre o tumulus, uma necrópole utilizada durante o II e o I Milénio antes da nossa era, como atestam os resultados preliminares das datações radiocarbónicas, onde foi registado um mínimo de oito indivíduos inumados em posição fetal, sendo que apenas uma das sepulturas continha espólio associado. Este facto sugere uma transformação do ritual funerário (deposições secundárias vs. deposições primárias) durante o III e o II Milénio mas, ao mesmo tempo, testemunha uma continuidade na utilização e sacralização deste importante “lugar de memória”. A presença de vestígios romanos nas imediações indica que este lugar foi frequentado e vivido durante quase três milénios.

A importância do monumento

Os dados das intervenções arqueológicas de 2007 e 2008 permitem-nos afirmar que estamos na presença de uma construção megalítica, de elevado valor histórico, patrimonial e científico, com características únicas no Sul de Portugal, pela sua antiguidade, estado de conservação da estrutura arquitectónica e informação arqueológica associada, bem como pela riqueza e diversidade dos achados.

O monumento integra uma paisagem ritualizada e simbolizada pelos seus habitantes durante a pré-história. Em torno do povoado – o mundo dos vivos – que se localizaria onde fica hoje a aldeia de Santa Rita, como atestam os diversos achados pré-históricos aí identificados (dormentes de mós, machados, enxós, pontas de seta, fragmentos cerâmicos…), desenhar-se-ia a nascente um crescente de túmulos funerários, onde se incluem para além do túmulo de santa Rita, os da Nora e Marcela. Marcavam e delimitavam um espaço sagrado ligado aos antepassados a quem se prestava culto e que simbolicamente mediavam e protegiam o mundo dos vivos.

Questões em aberto

Apesar da abundante informação proporcionada pela intervenção, apenas a prossecução dos trabalhos de análise da documentação arqueológica, em curso, será capaz de dar resposta às inúmeras questões ainda em aberto: Quem eram e onde viviam os seus construtores e inumados? Que tipo de relações sociais os ligavam? Quem foram os seus utilizadores? Como morreram e de que tipo de doenças padeciam? Qual era a sua alimentação? Como foi reapropriado e reutilizado em períodos posteriores ao da sua construção? Como se relaciona com outras estruturas funerárias próximas? Que matérias-primas se utilizaram na sua construção e de onde vieram? O que é que com elas – pela sua forma, dimensões e cores – se pretendeu comunicar? Como se orienta em relação à paisagem e aos astros? Que significados lhe estão associados?

Encontram-se em processo de desenvolvimento um conjunto de medidas com vista classificação, conservação, valorização patrimonial e paisagística do conjunto, que visam também o seu usufruto por parte da população local e visitantes.

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