Património hidráulico de Cacela
Fontes, poços, noras, aquedutos, tanques, cisternas e represas são formas arquitectónicas que acentuam o carácter distintivo da nossa região, e testemunham a forma como o homem se relaciona com o território utilizando o seu engenho e arte no aproveitamento da água para a sua sobrevivência e actividades.
Numa região onde a obtenção da água continua a ser um problema, devido ao fraco regime das chuvas, os poços assumiam-se, nas povoações, como lugares centrais na estrutura urbana. Nas zonas rurais, sendo a água essencial para o cultivo das hortas e dos pomares, as velhas noras mouriscas, associadas ao aqueduto e ao tanque, marcam presença nos montes, formalizando frequentemente o limite da propriedade.
Hoje, encontramos estes valiosos elementos do património em situações diversas:
- abandonados, envoltos em densa vegetação, fruto da progressiva substituição por furos com bombas eléctricas ou pela irrigação com água de barragens;
- reformulados, tendo a força motriz e alguns dos materiais de construção sido substituídos;
- cuidados e utilizados na irrigação de hortas e pomares;
- associados ainda a lendas e a religiosidade popular.
Sendo o passado um instrumento precioso para questionarmos o presente e perspectivarmos o futuro, no momento em que a água se assume como um dos bens mais preciosos e indispensável à vida, procura-se, a partir do estudo dos sistemas de captação de água e de rega, no passado e no presente, estimular a reflexão da comunidade sobre as novas preocupações e necessidades relativas à água.
O abastecimento de água tem sido tradicionalmente assegurado por nascentes, algumas vezes com acessórias qualidades medicinais, que justificam o termo águas santas para as designar, ou por poços. Estes encontram-se em 3 situações principais: em terrenos acessíveis a toda a população dentro de um certo raio, podendo também pontuar percursos de pastores ou viandantes; em terrenos privados servindo para irrigação de hortas e pomares; em terrenos privados, na vizinhança da casa, servindo simultaneamente necessidades domésticas e as de alguma pequena horta anexa.
A armazenagem da água das chuvas em tanques e cisternas filiada numa tradição documentada desde os romanos, pode existir num contexto rural, associada ou não a poços e noras mas identifica-se especialmente com o contexto urbano. Num caso ou noutro, às cisternas associam-se sistemas de condução que podem ser muito complexos, quer integrados em sistemas de irrigação dos campos, quer como colectores da água das ruas e dos telhados de um conjunto de casas, percorrendo distâncias relativamente grandes por caldeiras, nas coberturas, adossadas às paredes ou no coroamento dos muros.
As noras, sempre associadas a uma extensão de terra irrigável, são normalmente do tipo em que a água é tirada por acção do movimento circular dos animais, comum no Norte de África, do Egipto ao Magrebe. À nora associa-se frequentemente um aqueduto e um tanque.
É ainda corrente a extracção de água (de poços ou cisternas) por bombas manuais, de alavanca (mais antigas e raras) e rotativas – “bombas de roda” – que podem tomar uma presença própria no espaço dos pequenos aglomerados.
A bombagem electromecânica em furos generalizou-se no último quartel do século XX, servindo quer necessidades agrícolas quer o abastecimento colectivo dos aglomerados.
Os fontanários ou “bicas”, todas do mesmo modelo mas com singularizações locais, foram a primeira forma de as autarquias proverem água canalizada aos aglomerados. O lugar colectivo da água, como se viu, é normalmente no perímetro do aglomerado, de onde a água é carregada, por vezes em carrinhos próprios para cântaros.
Roteiro dos patrimónios hidráulicos de Cacela