Pessoas, objectos, lugares, paisagens, histórias e memórias locais

A Fortaleza de Cacela

Edificada no séc. X, em período de domínio islâmico, a fortaleza (ou Hisn) de Cacela teve como dupla função a protecção da população e o abrigo de uma pequena guarnição militar, tendo a mesma desempenhado um importante papel na vigia e defesa do litoral algarvio, com relevância estratégica no controle das embarcações que tentavam a entrada na Ria Formosa.

Ao longo dos tempos foi sofrendo várias transformações devendo apontar-se que a sua planta actual não corresponde à original. Apresenta hoje em dia uma planta estrelada com dois baluartes / guaritas erguidos a sul, em resultado das transformações executadas no Reinado de D. Maria I (1794), após o terramoto de 1755.

É de destacar a recuperação realizada pela Direcção Geral de edifícios e Monumentos Históricos, nos anos 50 do séc. XX.

Actualmente alberga um posto de destacamento da brigada fiscal da GNR, desempenhando as funções para as quais sempre esteve habilitada, a vigia da costa.

Fortaleza de CV

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Ibn Darraj al-Qastalli, poeta de Cacela

Importante figura da cultura hispano-árabe, Ibn Darraj (958-1030) nascido em Cacela, descende da família berbere que controlava então o hisn (fortificação rural) de Qast’alla Darraj. Foi um importante poeta da corte e secretário da chancelaria do Califado de Córdova, tendo estado ao serviço do conhecido governador Almansor. Muito estimado pelos seus contemporâneos, deixou uma vasta obra poética de que são conhecidos alguns fragmentos em antologias de poesia árabe publicadas em Portugal e agora na recém editada obra “Cacela e o seu poeta Ibn Darraj al-Qastalli na história e literatura do al-andalus”.

“Diz à Primavera:

estende as nuvens do teu manto

e abre os teus véus

sobre os lugares onde brinquei

na minha infância.”

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Igreja de Nossa Senhora da Assunção

A actual igreja da Nossa Senhora da Assunção foi edificada nos inícios do séc. XVI substituindo uma outra mais remota da época medieval – a primitiva Igreja de Nossa Senhora dos Mártires. A nova Igreja (a actual), construída na parte mais elevada da povoação durante os sécs. XV/XVI, foi fortemente danificada pelo terramoto de 1755 e reconstruída no séc. XVIII (1795), por iniciativa do Bispo do Algarve D. Francisco Gomes do Avelar.

Apresenta um primoroso portal renascentista que sugere paralelos com outras localidades algarvias e exibe dois bustos dos apóstolos São Pedro e São Paulo. As pilastras são decoradas com figuras mitológicas.

A igreja apresenta três naves e uma capela lateral de Nª Srª dos Mártires, datada de 1586, com abóbada que se destaca pelo seu aparelho tardo-gótico.

Igreja de Nª Srª da Assunção

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Túmulo Megalítico de Santa Rita

Devem-se ao arqueólogo Estácio da Veiga nos finais do séc. XIX, as primeiras notícias sobre o património megalítico de Cacela, com a publicação dos achados provenientes dos túmulos da Nora e Marcela, classificados como Monumentos Nacionais mas hoje, infelizmente, desaparecidos.

Identificado em 2001, o túmulo megalítico de Santa Rita, com cerca de 4500 anos, representa um dos últimos testemunhos megalíticos bem conservados da região e, também por isso, um elemento patrimonial de elevada importância histórica e científica.

Escavações arqueológicas decorridas durante o  Verão de 2007 e 2008 permitiram a caracterização da estrutura arquitectónica, bem como a recolha de amostras que possibilitarão uma aproximação à cronologia,  caracterização da paisagem paleo-vegetal envolvente e estudo da estrutura social dos seus construtores e inumados.

O monumento é constituído por um corredor longo (5 m) e por uma câmara funerária de planta de tendência rectangular (5m X 2m),  coberta por grandes blocos de arenito local e por uma colina artificial, delimitada por um anel de pequenas lajes fincadas no solo. O ritual funerário identificado é constituído por deposições secundárias (ossário constituído por cerca de 20 indivíduos) acompanhadas por várias oferendas (cerâmica, lâminas, placas de xisto, etc…). A continuação da utilização deste espaço nos milénios seguintes é comprovada pela existência de uma necrópole sobre a massa tumular, com um mínimo de oito indivíduos inumados em posição fetal.

Túmulo megalítico de Santa Rita

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Imóvel de platibanda decorada na EN 125

As casas de platibanda decorada são um dos patrimónios mais significativos da especificidade artístico-arquitectónica algarvia. Representativas de um período de alguma prosperidade económica na região, ilustram uma moda que se vulgarizou entre finais do séc. XIX até meados do século XX, talvez influenciada pelas tendências modernistas internacionais (características do período em questão) e fazendo uso da tradição portuguesa dos trabalhos em estuque.

Pretendia-se atribuir um rosto aos imóveis, numa tentativa de individualizar a fachada, mostrando-se com isso a disponibilidade criativa e monetária do seu proprietário. Como diriam os mais antigos, “os algarvios destes tempos eram bastante vaidosos”, e isso espelha-se nas arquitecturas dessa época. O imóvel apresentado está situado nas Hortas (na EN 125) e ilustra claramente este tipo de património, cada vez mais ameaçado.

Platibanda EN125

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A Jazida fossilífera de Cacela

De reconhecido valor científico e patrimonial, localiza-se na extremidade nascente do Parque Natural da Ria Formosa e está sobretudo exposta nas margens da ribeira de Cacela situada a nascente de Cacela Velha. Ali afloram rochas sedimentares do Miocénico superior, com cerca de 7-9 milhões de anos (Ma), em que ocorre uma grande diversidade de fósseis de moluscos bivalves e gastrópodes em excelente estado de conservação.

A presença de fósseis de espécies típicas de águas quentes indica que a região de Cacela há cerca de 7-9 Ma seria banhada por águas mais quentes do que as actuais, com temperaturas semelhantes às encontradas hoje nas regiões tropicais.

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Manuel Cabanas

«Sou um homem do povo e com o povo me identifico»

Nascido em Vila Nova de Cacela no ano de 1902, Manuel Cabanas distinguiu-se enquanto artista, especialmente nos campos do desenho e da xilogravura, tendo ficado também conhecido pelas várias acções que desenvolveu na esfera da dinamização cultural. Viveu vários anos no Barreiro onde exerceu funções de ferroviário e sindicalista e evidenciou-se na esfera política nacional pela forte oposição ao regime fascista, tendo sido várias vezes preso, chegando inclusive a ser companheiro de cela do Dr. Mário Soares, na prisão de Caxias.

Agraciado com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade em 1985 e com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique em 1991, regressou no fim de vida à sua cidade natal na qual veio a falecer em 1995 não sem antes doar grande parte do seu património artístico à comunidade. Este importante espólio encontra-se hoje integrado no Museu com o nome do autor, situado no Centro Cultural António Aleixo, em Vila Real de Santo António.

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Villa romana da Quinta do Muro

Em 1877, Estácio da Veiga identificou entre a actual Quinta do Muro e Cacela Velha duas esculturas em mármore representando as divindades de Dioniso e Ariadne, para além de restos de edificações romanas arrasadas e vários objectos de uso quotidiano, indicando a existência de uma provável villa romana. Após escavação arqueológica de emergência realizada em 1990 foi ainda identificado neste local um forno romano de planta rectangular.

Ali próximo foram também identificados um conjunto de salga de peixe, composto por quatro tanques, colocados junto da arriba. Nos inícios do séc. XX ainda eram visíveis três deles, sendo que as sondagens arqueológicas ali realizadas em 2001 e 2002 viriam a pôr a descoberto um muro de alvenaria, um  pavimento de opus signinum, fragmentos de terra sigillata, vidros e materiais de construção.

Sobre os restos de uma cobertura de imbricae, encontrou-se ainda uma moeda da segunda metade do séc. IV (dinastia dos valentinianos).

Manta Rota

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A cobra de Cacela

Segundo recorda a memória das populações, corria a Primavera do ano de 1815 quando, pela primeira vez, alguém viu na zona de Cacela, uma grande cobra que andaria a devorar todos os animais que encontrava pelo caminho. Ao que relata a história, dois anos depois e após várias cabras e ovelhas perdidas para acalmar a fome do bicho, viria a cobra a conhecer finalmente a sua morte, pela mão de um corajoso morador. O autor da valente façanha foi  José Gil Cardeira, a única pessoa com direito a lápide no cemitério antigo de Cacela Velha.

Depois de dada a conhecer esta proeza ao Rei, de imediato transmitida pelas gentes locais, e uma vez que, conforme reza a lenda, o herói da história era devoto de Nossa Senhora de Aires, cuja veneração se prestava numa localidade próxima de Viana do Alentejo, decidiram as autoridades enviar a cobra (e o pau utilizado para a matar) para esta povoação que, segundo parece e à semelhança de Cacela, ainda hoje evoca uma história semelhante.

A partir do livro “Memórias escritas por Fernando Gil Cardeira”, editado por Maria Rita Baptista em 2003.

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O figo

Ainda nos inícios do séc. XII, um dos mais conhecidos geógrafos – Al-Idrisi – quando passou por Cacela, descreveu-a como sendo “uma fortaleza construída à beira-mar (…) bem povoada e (com) muitas hortas e campos de figueiras”. E o que é facto é que o Algarve sempre foi uma região rica em árvores de fruto, com especial destaque para a figueira, a par da amendoeira e da alfarrobeira, que sempre foram, até há muito pouco tempo atrás, o suporte da economia algarvia. As populações rurais costumavam até dizer que o figo era a fartura da casa.

Existem várias qualidades de figo: em Junho e Julho há uma primeira época do lampo ou o cachopeiro e depois, mais para o final do verão, o vindimo, o bacalar, ou o castelhano.  Sendo colhido no Verão é frequentemente comido logo fresco – privilégio exclusivo do proprietário do figueiral ou de quem os apanha – ou então secado.

Antigamente, para conservá-los, era costume utilizar-se um almanxar, para depois fumeiro ou, mais frequentemente enseirados, ou seja, colocados em pequenos cestos. Para tal era costume utilizarem-se folhas de funcho que ajudavam na conservação. Os mais pequenos eram mais utilizados para a destilação da aguardente, dando origem à conhecida aguardente de figo algarvia, podendo ser também torrados no forno, ou então comidos ao longo do ano, vendidos e exportados.

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A muralha de taipa de Cacela Velha

As construções em taipa [técnica construtiva que compreende a utilização de solo, argila ou terra como matéria-prima básica de construção] no Sul de Portugal são significativas. O Algarve é uma das regiões do país que regista um número considerável de construções deste tipo, tendo sido utilizada na construção de castelos, muralhas e edifícios civis.

O troço que ainda resta da muralha de taipa (a nascente) de Cacela Velha, cuja datação é dificultada pelas constantes reparações consumadas ao longo dos tempos, foi objecto (em 2001) de escavações arqueológicas e trabalhos de restauro. Este troço constitui um dos poucos testemunhos de tipo militar que ainda se pode encontrar na região, juntamente com a Fortaleza de Castro Marim ou o castelo de Paderne. A data de construção desta estrutura deverá situar-se entre os finais do séc. XV e a primeira metade do séc. XVI.

Muralha de taipa - Cacela Velha

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Quinta da Torre de Frades

Antiga quinta agrícola modernizada em inícios do séc. XX, altura em que se construiu a actual casa de habitação de dois pisos. Para além desta, fazem ainda parte do conjunto edificado um silo, eira, poço e horta, estábulos e armazéns agrícolas, e um edifício de piso térreo, provavelmente erigido no séc. XVIII, que apresenta telhado de tesouro e duplo beirado.

Sabe-se que em 1755 esta quinta pertencia aos religiosos paulistas de Tavira e que a propriedade terá tido também, em tempos, uma torre de defesa que, na segunda metade do séc. XVIII, era ainda visível.

Torre de Frades e Arrife

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Quinta da Terra Branca

Localizada na freguesia de Vila Nova de Cacela, esta propriedade testemunha na sua expressão arquitectónica e organização espacial uma estreita relação com a actividade agrícola que desde sempre exprimiu a riqueza deste território.

Correspondendo provavelmente à casa do Capitão João Afonso, na segunda metade do século XVIII, é composta por uma casa principal de dois corpos distintos, telhado de tesouro e beirado duplo, sendo constituída ainda por uma série de armazéns, estábulos, adega, vacaria, pocilgos, forno, poço e horta murada e uma eira circular ladrilhada.

O perfeito estado de conservação deste conjunto edificado transforma-o num testemunho exemplar do importante património vernáculo algarvio.

Herdade da Terra Branca

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As festas de S. João

Com raízes nos antigos festejos pagãos do solstício de Verão, as festas de S. João assinalam o mais alto grau de vitalidade do sol. Na tradição oral, era esta a noite do calendário mais propícia a sortilégios e adivinhações, no que toca a coisas de amor sendo que as mais novas gostavam de tentar adivinhar os seus futuros amores, através da queima de alcachofras.

É também crença popular que na noite de S. João todos os encantamentos se quebram. Dizia-se que à meia noite as Mouras Encantadas costumavam aparecer na esperança que alguém as desencantasse e as transformasse em lindas raparigas. Constava que também as flores e o orvalho colhidos entre a meia-noite e o nascer do sol tinham virtudes especiais e curavam todas as enfermidades.

Nalguns locais ainda se mantém a tradição de se adornarem as ruas com flores e charolas de papel, de se construírem mastros de murta e alecrim que se recolhem na serra, fazerem-se bailes à noite e vender-se manjericos com as tradicionais quadras populares associadas, para além das fogueiras por onde se salta tentando não se queimar.

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Moinho de vento do Arrife

Recentemente recuperado, o moinho de vento do Arrife existirá pelo menos desde a segunda metade do séc. XIX, sendo que na segunda metade do séc. XX ainda se mantinha em laboração.

De planta circular e apresentando uma armação rotatória em madeira (já não vísivel no local) onde assentavam os respectivos panos que recebiam a energia transmitida pelo vento, canalizada depois para o engenho que iria fazer girar as mós, possibilitava dessa forma a moagem do trigo, utilizado na feitura do pão.

A moagem representa assim uma das mais importantes invenções humanas, nomeadamente no que toca à facilidade de fixação humana em determinado território.

Importa ainda referir que nas imediações deste moinho foram descobertos alguns achados romanos, atestando a antiguidade da presença humana na zona.

Moinho do Arrife

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Forno de cal de Santa Rita

Localizado a norte da povoação, o forno de cal de Santa Rita foi recuperado no ano de 2006, no âmbito do “Plano de intervenção de Santa Rita”, elaborado pelo Gabinete Técnico de Apoio às Aldeias do Sotavento (GTAA), com o objectivo de devolver a dignidade a um dos patrimónios pelo qual a localidade sempre foi conhecida.

A cal de Santa Rita era muito conhecida e bastante cobiçada em toda a região, por ser uma das mais brancas, mostrando-se bastante boa para os estuques e para a caiação das casas.

O processo de feitura da cal era bastante moroso e duro. A operação demorava cerca de uma semana e envolvia seis a oito homens, por turnos, à boca do forno, para o manter sempre em combustão. Por isso mesmo, e devido à concorrência dos fornos industriais e dos novos materiais surgidos no mercado, o forno encontrava-se votado ao abandono há já alguns anos.

Foi para contrariar esse facto que se procedeu à revitalização deste importante elemento patrimonial, tão importante e identificativo da brancura das habitações do sul.

Forno de cal - Santa Rita

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Ermida de Santa Rita

A autorização para a construção desta ermida terá sido concedida em 1740 pelo rei D. João V ao prior Duarte Correia de Freitas Corte Real. Com o tempo, a povoação onde a mesma se edificou (anteriormente denominada de aldeia do “Pé da Serra”) ganharia a designação da padroeira que nomeia a ermida. Sendo consagrada à santa das causas impossíveis, apresenta uma só nave rematada por uma cúpula na zona da capela mor e um coro alto. Mais recentemente (séc. XIX), foi construída uma sacristia contígua à fachada norte.

Os momentos de maior afluência ao local coincidem com as duas ocasiões festivas da povoação: as festas em honra da santa, que se realizam em meados de Julho e as curas de Santa Rita – normalmente entre Maio e Julho, onde antigamente as pessoas que sofriam de “escrofuloso” vinham curar-se por meio de uma mezinha.

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A carta de doação de Cacela à Ordem de Santiago

Cacela foi definitivamente conquistada aos mouros por D. Paio Peres Correia, Mestre da Ordem de Santiago, na primeira metade da década de 40 do séc. XIII.

Mais tarde, a 20 de Fevereiro de 1255 (assinalam-se agora 755 anos sobre este momento), D. Afonso III viria a doar à Ordem, por meio de carta régia,“o castelo” e todo este território que “descia do alto da serra até ao mar, (…) confinando com os termos de Mértola e Ayamonte”. Sabemos, no entanto, que esta, cuja sede se encontrava não em Portugal mas no país vizinho, viria, em 1272, num gesto com contornos políticos pouco claros, a renunciar à doação, fazendo com que todos os domínios territoriais de Cacela regressassem à Coroa.

Num período em que o país se estava ainda a formar, era claro que Portugal e Castela reivindicavam a posse não só de Cacela mas de todo o território algarvio e que a Ordem, responsável por grande parte das conquistas, seria mais outra entidade no meio desta disputa. O tratado de Badajoz, de 16 de Fevereiro de 1267, viria a pôr cobro a esta situação, legitimando finalmente a integração do reino do Algarve no território português.

O foral de Cacela, concedido por D. Dinis em 1283, viria a estabelecer as bases para a formação deste concelho que resistiu até 1776, ano em que foi extinto e integrado na recém-criada Vila Real de Santo António.

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Conjunto edificado na Manta Rota

O conjunto merece destaque pela relação que as casas de platibanda decorada estabelecem com a nora e o tanque que se encontram anexos, formando um cenário de elevada beleza. São muito provavelmente contemporâneos entre si, tendo sido possivelmente construídos na primeira metade do séc. XX, precisamente no momento alto dessa tendência decorativa, exuberante nos motivos, nas formas e na policromia, bastante evidente nas fachadas destas habitações.

De realçar o bom estado de preservação de todos os elementos, inclusive do próprio engenho da nora, que actualmente serve apenas de elemento decorativo, uma vez que a elevação da água se faz já com recurso a bombas electromecânicas.

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Fonte e Poço Velho de Santa Rita

Embora actualmente designada de “Primitivo Santuário de Santa Rita”, uma vez que, segundo reza a lenda, terá sido neste local que a santa inicialmente apareceu, esta construção antiga de planta quadrada, encimada por uma cúpula, foi originalmente uma fonte, conforme nos mostra a cartografia antiga.

Próximo desta edificação, foi erigido mais tarde o poço antigo que dá nome ao local. Até há bem pouco tempo atrás era aqui que a população vinha buscar água e dar de beber aos animais nas pias. Era também este o local onde as mulheres da aldeia lavavam a roupa nas pedras “de esfrega” e, mais recentemente, nos tanques, ainda visíveis no local.

Poço Antigo - Santa Rita

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Casa do pároco de Cacela Velha

Edifício pertencente à paróquia, foi até há muito pouco tempo atrás, a casa de habitação do pároco que dava missa na Igreja de Cacela Velha.

É uma construção térrea de taipa com pátio interior, e encontra-se assente numa estrutura de alvenaria, apresentando uma cobertura de duas águas com telha de canudo. O duplo beirado indica-nos a antiguidade da sua construção, muito provavelmente datada do séc. XVI, embora primeiramente orientada numa posição diferente, conforme nos mostra a documentação proveniente desses tempos.

Alterada ao longo dos anos, terá resistido ao terramoto de 1755, certamente ajudada pelos contrafortes que ainda hoje apresenta.

Casa do pároco - CV

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Candeia islâmica

Proveniente da campanha de escavações arqueológicas decorridas em 1998 no sítio do Poço Antigo, em Cacela Velha, esta candeia de pé faz parte de um conjunto de objectos de uso quotidiano utilizados pelas populações que habitaram a povoação durante a primeira metade do século XIII, em pleno período almóada, momentos antes da reconquista cristã.

Decorada com o tradicional vidrado verde, muito característico das peças originárias deste período, esta candeia servia para iluminar a casa com recurso ao azeite que era colocado na parte superior da peça.

Restaurada recentemente com vista a integrar a exposição “Cerâmicas islâmicas de Cacela Velha”, a peça poderá ser vista , em conjunto com outras provenientes das mesmas escavações arqueológicas, a partir de Abril no Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela, na Antiga Escola Primária de Santa Rita.

Foto 1/4 Escuro

Foto 1/4 Escuro

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As reixas

Com uma origem oriental, a reixa designa o elemento que na arquitectura doméstica (erudita ou vernácula) preenche um vão – uma janela ou uma porta. Frequentemente executado em madeira, caracteriza-se por duas sucessões sobrepostas de travessas cruzadas, criando um padrão de inspiração geométrica ou vegetalista, possibilitando o resguardo doméstico, mas não impedindo, a partir do interior das habitações, a visibilidade exterior. Da mesma forma, permite que o calor do dia não penetre, consentindo, à noite, a entrada das frescas aragens de Verão. Reminiscências de uma técnica antiga (os muxarabis árabes – balcões fechados por réguas de madeira que formavam uma série de orifícios recortados), de um tempo em que a necessidade de recolhimento da mulher, as reixas são já um elemento raro no Algarve.

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Arquivo Histórico Municipal de VRSA – Torreão Sul

No seu traçado inicial, este edifício apresentava-se como o limite sul da fachada da vila, tal como o torreão norte definia o remate da mesma, na direcção oposta.

Claramente individualizado quer pela posição que ocupa, quer pelo seu desenho arquitectónico (ligeiramente elevado em relação aos restantes edifícios das antigas Sociedades Pesqueiras), apresenta-se ladeado por uma área destinada a jardim, fazendo o jogo entre o limite virtual da vila (o muro) e o seu limite físico (o torreão).

Recentemente foi sujeito a um projecto de reabilitação e restauro, tendo sido, de acordo com o seu cariz original, transformado em Arquivo Municipal e adaptado às exigências das actuais funções.

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António Aleixo, poeta

Natural de Vila Real de Santo António, é hoje reconhecido como um dos poetas algarvios de maior relevo. Ali nasceu em 1899 tendo sido guardador de cabras, soldado, tecelão, cantor popular, polícia, servente de pedreiro em França e “poeta cauteleiro”. Pessoa de extrema humildade e de uma simplicidade evidente, era um homem do povo, quase analfabeto, pese embora nos tenha legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX. Nos seus versos reconhecem-se a ironia, o cariz mordaz e uma manifesta crítica social.

Presente em inúmeras antologias, viria a falecer em Loulé, em 1949.

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Panela islâmica do séc. XIII (Cacela Velha)

A loiça de cozinha é a melhor representada nas escavações arqueológicas do período medieval e a que mais informação proporciona sobre os usos e hábitos alimentares no al-Andalus (período de ocupação islâmica na península ibérica). Entre as diferentes formas cerâmicas de uso doméstico mais comuns – alguidares, terrinas, caçoilas – as panelas foram as que mais frequentemente se encontrou nas escavações arqueológicas de Cacela Velha. Estas eram usadas para cozinhar os alimentos, directamente no lume de chão ou sobre o fogareiro, na confecção de guisados e sopas em fogo lento, constituindo-se como um tipo cerâmico fundamental na cozinha de qualquer casa islâmica, tendo sido aqui encontrados alguns exemplares do tipo mais característico do Gharb al–Andalus (região correspondente ao actual Algarve)  do século XIII, de base convexa, corpo globular com caneluras, colo curto e duas asas, vidradas no interior, e por vezes também no exterior.

Panelinha islâmica - Cacela Velha

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A vila nova de Cacela

Transferida do Sítio da Igreja – actual Cacela Velha – para o novo aglomerado urbano que tinha então começado a desenvolver-se a partir dos primeiros anos do século XX, em resultado do crescimento económico e social decorrente da construção da nova estação de caminho de ferro e do desenvolvimento da EN125, congregando os sítios da Coutada, Bornacha e do Buraco ao lugar da Venda Nova, a antiga sede da freguesia de Cacela ganhava assim, através do decreto 12:978 de 4 de Janeiro de 1927, uma nova localização, passando a nova aldeia e a própria freguesia a denominar-se Vila Nova de Cacela.

Foi nesta povoação que desde então se foram fixando praticamente todos os principais equipamentos sociais e administrativos, escolares, de saúde, comércio, correios, mercado, farmácia, cooperativa agrícola, continuando no entanto, a actividade religiosa, ainda nos nossos dias, localizada em Cacela Velha.

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A empreita

Alcofas e balaios para acondicionar produtos agrícolas, esteiras para guardar e secar figos, gorpelhas para muares ou burros que acarretavam a azeitona, vassouros para caiar ou capacheiras para dentro se moer milho para o xerém e se peneirar farinha para o pão, eram alguns dos bens essenciais à vida no campo feitos a partir do trabalho da palma (folha da palmeira-anã), abundante na região.

Começava-se cedo nas artes da empreita (assim chamada por em tempos ter sido paga de acordo com a quantidade produzida ao dia), com as raparigas ajudando aos serões as mães a entrançar a palma em longas fitas, naquela que era uma importante actividade complementar do trabalho da terra.

A palmeira anã (Chamaerops humilis), também chamada palmeira das vassouras, é mais comum nos terrenos calcários do Barrocal. A palma deve ser apanhada entre Junho e Setembro. Colhidas as palmas, secam-se ao ar. São depois ripadas pelas nervuras em tirinhas e salpicadas com água, para humedecerem e ficarem brandas, algumas horas antes de se começar a trabalhar. A base do trabalho de empreita é a trança executada com o entretecer das tiras. Para coser as fitas dando forma ao objecto desejado usava-se a baracinha ou a tamissa (designação diferente conforme o local), um cordel delgado feito de palma, também utilizado nas vassouras para unir as folhas de palma num cabo de cana.

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Comemorações do dia 13 de Maio em VRSA

Foi em volta da Praça Real – actualmente designada de Praça Marquês de Pombal – que, a 13 de Maio de 1776, as tropas vindas de Tavira se reuniram para comemorar a fundação da nova vila, cuja construção se iniciou dois anos antes, em 1774, por ordem do Marquês de Pombal.

Edificada sobre o areal junto à foz do Guadiana com o objectivo de controlar o comércio neste importante ponto de fronteira e desenvolver as pescas (que mais tarde fariam surgir a industria conserveira), foi este o dia escolhido – o dia de aniversário do Marquês de Pombal – para fazer decorrer as festividades, que incluíram a presença do general D. José Francisco da Costa e Sousa, Capitão General do Reino do Algarve.

Desde então, é neste dia que se comemora o nascimento da cidade, sendo já tradição, há alguns anos, a recriação de um cortejo histórico que pretende reviver os vários momentos históricos que a mesma atravessou.

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A chaminé e a platibanda no Algarve

A partir dos anos cinquenta e sessenta, com o desenvolvimento do turismo e a instituição dos valores de um “Algarve típico”, as chaminés e as platibandas ornamentadas, viriam a tornar-se nos elementos mais característicos da arquitectura popular algarvia. Expressões evidentes do domínio de técnicas ancestrais do trabalho da massa e, no caso concreto das platibandas, do «jogo» do ladrilho e/ou da telha, estes elementos pretendiam, pelo menos desde o século XVIII e mais expressivamente nos finais do século XIX e ao longo de toda a primeira metade do século XX, através das por vezes complexas gramáticas formais e decorativas e para lá do seu propósito funcional, mostrar a criatividade do mestre construtor e/ou o gosto do proprietário do imóvel onde se integravam.

Platibanda

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A Feira da praia

Seria no dia 13 de Agosto de 1760 que os moradores da praia de Monte Gordo haveriam de apresentar ao Rei D. José I uma petição para que este lhes concedesse o privilégio de instituir uma feira franca nos dias 8, 9 e 10 de Dezembro de cada ano, ao que Sua Majestade terá acedido, visto ser esta já «uma povoação muito numerosa, que chega a duzentas e cinquenta vizinhos além dos do Termo, [com] alguma falta do preciso para suas casas». Seis anos mais tarde, novo pedido terá sido feito, desta feita de alteração de datas, de Dezembro para Outubro, «por neste [mês] ser o tempo menos rigoroso e desabrido (…) e para se evitar o prejuízo e incómodo que se segue às pessoas que a ela concorrem com a chuva».

Logo que a nova vila pombalina, erguida de novo, se edificou, terá sido esta transferida para Vila Real de Santo António, tendo ficado por isso e desde então conhecida, até pela sua localização inicial – nos já desaparecidos areais da “Baixa-Mar” – como a “Feira da Praia”, ainda hoje tendo lugar nos últimos dias da primeira quinzena de Outubro.

A partir de CAVACO, Hugo – “Contributos para a construção da História Local…”, Col. Patrimónios, nº4, Ed. da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António.

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Adolfo C. Gago, poeta de Cacela

Nascido em Cacela Velha em meados de 1900, Adolfo C. Gago aqui viveu grande parte da sua vida.

Artífice pintor – como se auto-designava, autodidacta, pintou centenas de quadros, e dos seis livros de poesia e prosa que escreveu, apenas dois foram registados na Biblioteca Nacional, ambos edição do autor.

A sua particular sensibilidade e as suas posições políticas levaram-no a escrever sobre a raiva interior que sentia sobre a hipocrisia da natureza humana, tendo-o feito com grande mestria.

Com uma vida pautada pelo abandono e pela incompreensão das gentes do seu meio, pelo alcoolismo e pela pobreza, viria a morrer no Hospital de Faro, em meados de 1980, onde o seu cadáver esteve cerca de um ano, à espera que alguém se apresentasse para reclamar o corpo

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O terramoto de 1 de Novembro de 1755 em Cacela

Sobre o poder destruidor do sismo, ocorrido na fatídica manhã do dia 1 de Novembro de 1755, dia de Todos-os-Santos (quando a maior parte da população se encontrava no interior das Igrejas), as descrições da época permitem-nos perceber a dimensão da tragédia. Ainda que melhor descrita noutras zonas do país, principalmente na região de Lisboa, por aí ter sido mais violenta, um pouco por toda a Europa se deu notícia da catástrofe e, para o Algarve, vários foram também os autores que sobre ela escreveram. Moreira de Mendonça referiria em 1758 que, por ser o Algarve “huma costa do Oceano sujeita aos seus effeitos, como tem experimentado em outras ocasioens (…) não houve Villa, ou Aldeya deste Reyno, que não padecesse muito”, deixando perceber que, não só o terramoto mas também o subsequente maremoto, viria a causar a ruína de muitos dos edifícios e um elevado número de vítimas mortais que, em alguns locais, chegou a rondar os 10% da população.

O concelho de Vila Real de Santo António não existia ainda nesta altura, mas em Cacela (hoje freguesia do concelho), sabemos que, pelo menos, os mais importantes edifícios terão sido destruídos. Conforme nos explica um documento da altura, a “villa de Cacela, duas legoas ao Ponte [sic] da dita Praça, se arruinou a Matriz, a Misericórdia, as cazas da Câmara; e à Fortaleza visinha caíram os baluartes com tanta violência, que arrojaram à praia os canhoes montados”. (RELAÇAM do terramoto…, 1756, Faro, Biblioteca da Universidade de Coimbra, fl. 159 vº)

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Muxama

A mais antiga inscrição referente à pesca do atum na península encontra-se num conjunto de medalhas fenícias descobertas na zona de Cádis. Desde então, este peixe tem sido o grande motor de desenvolvimento económico de toda esta zona do mediterrâneo. No Algarve, Vila Real de Santo António transformou-se a partir de finais do século XIX no principal centro industrial da região, com muitas fábricas de conserva em laboração.

Um dos antigos modos de processamento deste peixe, ainda hoje aqui produzido, é a muxama, que consiste na salga e posterior secagem das suas partes nobres. O termo provém do árabe musama, que significa “seco”, e o processo compreende a colocação de lombos de atum em grandes recipientes que são atestados com sal, sendo os passos seguintes executados já de forma controlada, recorrendo a câmaras de secagem e a ambientes controlados, proporcionando secagens perfeitas e homogéneas, reduzindo assim as percentagens de sal. Dependendo da grossura dos lombos, no final de 10 ou 12 dias, está o produto pronto a ser consumido, ganhando um aspecto semelhante ao presunto feito a partir do porco.

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Nora do Pomar das Laranjeiras (Santa Rita)

Situada numa propriedade privada localizada nas proximidades da aldeia de Santa Rita, a nora do Pomar das Laranjeiras foi edificada no início do séc. XIX e a sua execução terá custado cerca de 4$00, segundo informações da proprietária. Todos os elementos que a compõem – o pomar, a nora, o tanque, o aqueduto, os muros de delimitação e o portal de acesso ao pomar – mostram uma relação de conjunto extremamente interessante, merecendo a nora particular atenção no que toca às suas dimensões e às soluções arquitectónicas (o remate das coberturas, o aparelhamento), para além do excelente estado de conservação com que se apresenta.

A água daqui retirada continua a ser aproveitada para a rega, embora os meios de elevação já não sejam os mesmos. Apesar de o engenho ainda permanecer no local, é a recente bomba electromecânica que agora cumpre essa função. No Verão, a água ainda é conduzida pelo aqueduto, enchendo o grande tanque de armazenamento, localizado por baixo da fresca sombra de uma nogueira.

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O incêndio dos Paços do Concelho de VRSA (1908)

Foi na madrugada do dia 20 de Junho de 1908, pelas três horas da madrugada, que, na loja do Sr. Martinho José Rodrigues, localizada no rés-do-chão do edifício, o incêndio que viria a destruir o edifício da Câmara Municipal iniciou, eliminando praticamente todos os arquivos da C. M. de Vila Real de Santo António e da antiga C. M. de Cacela, para ali entretanto transferidos, e destruindo o edifício por completo, varrendo assim parte da memória colectiva do concelho. Pouca gente já hoje recorda o fatídico acontecimento, tantos foram os anos passados.

A incapacidade em reconstruir o edifício ao «estilo pombalino» e a insensibilidade patrimonial daqueles tempos viriam a ditar a construção de um novo edifício (concluído em Junho de 1912), que nada tinha a ver com o anterior. Inaugurava-se assim um período da história desta vila que irá produzir os maiores atentados ao património histórico pombalino.

A partir de um texto de Fernando Reis, inicialmente publicado no nº7 de 1982 da Revista Património e Cultura, propriedade da ADIPACNA, VRSA.

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Lenda do mourinho encantado (Cacela-Santa Rita)

No serro dos Barros vivia um rapazinho encantado, muito triste e pobrezinho, que dizia às pessoas que o viam que estava a guardar a riqueza do serro.

Certo dia, a minha tia Maria dos Santos disse-me que uma senhora foi lavar para o ribeiro próximo do serro, onde ele aparecia, e desapareceu-lhe uma camisa branca. Quando voltou ao ribeiro para lavar novamente, a camisa apareceu-lhe coberta de libras. Dizem as pessoas que ainda hoje quando chove, as bermas do ribeiro têm pedrinhas brilhantes que vêm da mina e que o mourinho encantado passou a viver com uma menina, numa pequena gruta na encosta do serro dos Barros. Essa gruta foi descoberta, anos mais tarde.

Lenda contada por Eva Ladeira (nascida em 1931), na Fonte Santa, Vila Nova de Cacela e recolhida por Maria Emília Fernandes. Publicada no livro “Mourinhos e mouras encantadas em Cacela”, Ed. CMVRSA, Col. Patrimónios, nº1, Vila Real de Santo António, 2007, p.14.

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Vila Real de Santo António no Guia de Portugal de 1927

Viajando de comboio a partir de Tavira, Raúl Brandão começa por avistar o casario de Santa Rita, localizado do lado oposto da antiga Vila de Cacela, descrita por Leite de Vasconcelos como uma “importante povoação romana, tantos [eram] os vestígios que nela ainda restam”. Próximo, a praia da Manta Rota e, antes de chegar a Vila Real, Monte Gordo, “praia de banhos, a mais afamada do sotavento, /…) já hoje muito frequentada por famílias do Algarve, Baixo Alentejo e Andaluzia, (…) bastante asseada, [com] dois casinos (Peninsular e Recreativo) (…) e grande número de casas de aluguer”. No entanto, “pouco interessante, não podendo rivalizar, nem de longe, com o encanto das praias de Barlavento”. Comentário faccioso, próprio da época.

Para Vila Real aponta-se o número de habitantes – 5568, e os equipamentos existentes: o Grande Hotel do Guadiana, “o maior do Algarve”, as quatro Hospedarias, os três trens de aluguer, os cafés-restaurantes Segura, Rodrigues e Fragueiro, o afamado Teatro A. Herculano e ainda o facto de já aqui existir luz eléctrica.

Há ainda uma referência ao facto de aqui não existirem edifícios notáveis, do casario ser “extremamente monótono e contrastar desvantajosamente com a pitoresca povoação espanhola que lhe fica fronteira”. Por sua vez, o porto, “do ponto de vista comercial, é o mais importante da província, [por ser a] bolsa do atum”. Há ainda referência às “numerosas fábricas de conserva” e ao farol, localizado junto à foz do Guadiana.

Resumo da descrição feita no “Guia de Portugal – Estremadura, Alentejo, Algarve”, Vol. II, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1927

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Lutgarda Guimarães de Caíres, poetisa e escritora

Nascida em Vila Real de Santo António em 1873, destacou-se como poetisa e escritora. Foi ainda jovem viver para Lisboa. Além de colaborar em jornais e revistas da época, editou a sua primeira obra “Glicínias” em 1910. Outras se seguiriam: “Papoilas”, “Dança do Destino”, “Pombas Feridas”, “Cavalinho Branco”. Na sua poesia cantou o rio Guadiana “meu rio encantado / de mansas águas, suspirando amor!” Foi mulher atenta aos problemas e injustiças de seu tempo, tendo lutado pela igualdade de oportunidades entre mulheres e homens. Teve, um dia, a vontade de proporcionar às crianças doentes um Natal melhor com agasalhos, prendas e brinquedos, tendo essa ideia prosseguido até aos dias de hoje com o nome de Natal dos Hospitais. Morreu em 1935.

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O Cemitério de Vila Real de Santo António

Revelador de uma moderna consciência europeia que, anos antes e de uma forma inovadora, começava a equacionar questões tão complexas quanto a necessidade de deslocação dos locais de enterramentos das igrejas para as periferias urbanas, o cemitério da nova Vila Real de Santo António viria a ser inaugurado em Dezembro de 1776, sete meses após a fundação da nova vila.

Perfeitamente alinhado com a Igreja – formando com esta como que um “eixo espiritual” – surgia assim um novo equipamento “de ponta”, inteiramente integrado nas novas estratégias higienistas que doravante haveriam de vingar na organização espacial das cidades, servindo mesmo de ensaio para os modelos que viriam depois a ser aplicados nas colónias.

Embora necessariamente ampliado durante os duzentos anos seguintes, ainda hoje se apresenta como um claro exemplo das concepções reformadoras setecentistas que o conceberam integrado num conjunto urbano programado em jeito de cidade ideal.

Cemitério de Cacela Velha

Construído em 1918, o novo cemitério de Cacela Velha veio dar resposta à necessidade de mais espaço, em virtude do elevado número de enterramentos no cemitério antigo, correspondente à grande quantidade de vítimas resultantes da febre pneumónica, cujo surto foi mais intenso nos anos de 1917 e 1918.

Edificado no terreno da antiga Quinta do Muro, apresenta uma série de elementos decorativos característicos da arquitectura algarvia do inicio do século XX. São de destacar o portal de cantaria com arco de volta perfeita e o frontão assente sobre cimalha de massa pintada.

Cemitério de Cacela

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As pragas de Monte Gordo

Mais frequentemente proferidas pelas mulheres dos pescadores (vulgarmente apelidadas de cuícas), as “pragas de Monte Gordo” eram quase “armas de ataque” a que se recorria nas habituais discussões de rua de antigamente. Traduzindo a exaltação perante uma qualquer situação desfavorável e na procura de uma desconcertante vingança verbal, estes dizeres pretendiam amaldiçoar o outro, numa clara tentativa de intimidação, recorrendo-se muitas vezes para isso à invocação de Deus ou das forças do céu para amplificar o temor do destinatário, tornando mais credível o efeito da praga.

Recolhidas e anotadas num importante estudo de 1979 por parte do Sr. Luciano Domingues e publicadas na revista da já extinta Associação para a Defesa e Investigação do Património Cultural e Natural de VRSA (ADIPACNA), apresentam-se hoje em dia como um importante testemunho da ancestral maneira de ser das populações de Monte Gordo.

Ex:

“Permita Deus que tenha uma febre tão grande, tão grande, que até lhe derreta a fivela do cinto”

“Permita Deus que aches uma carteira cheinha de dinheiro, mas quando te abaixes para a apanhar te caia o tampo do «pêto»”.

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